quarta-feira, 7 de outubro de 2015

IX de OS DOENTES



O inventário do que eu já tinha sido

Espantava. Restavam só de Augusto
A forma de um mamífero vetusto
E a cerebralidade de um vencido!


O gênio procriador da espécie eterna

Que me fizera, em vez de hiena ou lagarta,
Uma sobrevivência de Sidarta,
Dentro da filogênese moderna;

E arrancara milhares de existências

Do ovário ignóbil de uma fauna imunda,
Ia arrastando agora a alma infecunda
Na mais triste de todas as falências.

No céu calamitoso de vingança

Desagregava, déspota e sem normas,
O adesionismo biôntico das formas
Multiplicadas pela lei da herança!

A ruína vinha horrenda e deletéria

Do subsolo infeliz, vinha de dentro
Da matéria em fusão que ainda há no centro,
Para alcançar depois a periféria!

Contra a Arte, oh! Morte, em vão teu ódio exerces!

Mas, a meu ver, os sáxeos prédios tortos
Tinham aspectos de edifícios mortos
Decompondo-se desde os alicerces!

A doença era geral, tudo a extenuar-se

Estava. O Espaço abstrato que não morre
Cansara... O ar que, em colônias fluidas, corre,
Parecia também desagregar-se!

Os pródromos de um tétano medonho

Repuxavam-me o rosto... Hirto de espanto,
Eu sentia nascer-me n’alma, entanto,
O começo magnífico de um sonho!

Entre as formas decrépitas do povo,

Já batiam por cima dos estragos
A sensação e os movimentos vagos
Da célula inicial de um Cosmos novo!

O letargo larvário da cidade

Crescia. Igual a um parto, numa furna,
Vinha da original treva noturna,
O vagido de uma outra Humanidade!

E eu, com os pés atolados no Nirvana,

Acompanhava, com um prazer secreto,
A gestação daquele grande feto,
Que vinha substituir a Espécie Humana!

           


           
                          Augusto dos Anjos


Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Sapé, 20 de abril de 1884 — Leopoldina, 12 de novembro de 1914) foi um poeta brasileiro, identificado muitas vezes como simbolista ou parnasiano. Todavia, muitos críticos, como o poeta Ferreira Gullar, preferem identificá-lo como pré-modernista, pois encontramos características nitidamente expressionistas em seus poemas.


É conhecido como um dos poetas mais críticos do seu tempo, focando suas críticas ao idealismo egocentrista que se emergia em sua época, e até hoje sua obra é admirada tanto por leigos como por críticos literários





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